Sob a Pele | Crítica | Under the Skin, 2014, Reino Unido-EUA

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Muito além da nudez de Scarlett Johansson, Sob A Pele discute ideia e metáforas. Uma ficção científica ousada, com moldes pouco explorados no cinema.

Sob a Pele, 2014

Com Scarlett Johansson. Roteirizado por Walter Campbell e Jonathan Glazer, baseado no romance de Michel Faber. Dirigido por Jonathan Glazer (Ressureição).

9/10 - "tem um Tigre no cinema"Muito se falou de Sob a Pele por causa da alardeada nudez de Scarlett Johansson. Ela pelada pode ser importante para seus apreciadores(ras), porém, o filme é mais que isso. Discutindo ideia e metáforas, essa é uma ficção científica ousada, com moldes pouco explorados no cinema. Mesclando elementos de terror e até de road movie, esse é um filme que consegue mexer com a audiência, que também terá a sensação de sentimentos misturados e conflitantes.

Uma mulher chamada Laura (Johansson) cruza as ruas da Escócia seduzindo homens que não tem amigos e família. Ela não está buscando prazer, e sim caçando. Essa predadora é uma forasteira que observa como nosso mundo funciona. Ela não é só estranha ao país que está, mas também a este planeta.

O diretor prefere não esconder o fato da protagonista ser uma alienígena por muito tempo, mas com cinco minutos de projeção já há alguns detalhes que entregam o segredo. A construção de um olho, um pôster do jogo Space Invaders e o roubo de identidade da humana original são sinais relativamente sutis, mas não menos interessantes.

A música e som tem papeis fortes, que reforçam a exterioridade da personagem. Primeiro, há uma vocalização de fonemas e sílabas, como se Laura estivesse treinando o nosso jeito de falar. Já a trilha sonora causa uma inquietação por ser bem dissonante. A pequena orquestra de cordas conduzida por Mica Levi é estranha e incômoda aos nosso ouvidos. E percebam que o diretor somente usa música nos momentos de sedução da alienígena. Enquanto o nosso universo – por assim dizer – fica normal, apenas com os sons diegéticos: a estrada, a balada, uma notícia dada no rádio, os sons da natureza. À princípio, esse é um filme bem silencioso.

Há pouco diálogo, e o diretor prima pela observação da protagonista. Ela é de fato curiosa, como mostra a cena em que se intriga com uma formiga que estava junto do corpo da mulher sequestrada no começo. Esse é um paralelo bem formado e repetido um pouco mais à frente. Enquanto a alienígena observa outra provável vítima – um nadador –, acontece uma cena de afogamento, onde morrem duas pessoas. O nadador tentou salvá-los em vão, e então é morto pelas mãos de Laura. Um bebê, filho dos afogados, assiste a tudo sem entender o que acontece. Ele apenas sabe que está sozinho. Os gritos desesperados da criança não compadecem Laura, que arrasta o corpo do nadador até a van. Mais tarde, outro alienígena que está cuidando dos passos da companheira, volta até a praia para pegar o casaco que ela esqueceu. A criança ainda está lá, apesar de se passarem várias horas, e é ignorada de novo. É cruel e assustador, mas se pergunte isso: se você esbarrar – acidentalmente que seja – num formigueiro, vai se preocupar com os bebês formigas que estão lá? A resposta é essa.

O diretor consegue, em outros momentos, nos colocar na pele da protagonista. Principalmente no cenário em si. Ele não é estranho só pra ela, mas também para a grande maioria dos espectadores. O sotaque escocês, em muitos momentos, é difícil de ser acompanhado por quem está acostumado com a sua variação americana, e até mesmo a britânica. Às vezes há a inserção do idioma gaélico ou o escocês que complica ainda mais, e isso é bem expressado na cena em que Laura toma um ônibus.

Por ser um filme de ficção científica de baixo orçamento, os efeitos são sutis, mas de fantástico bom gosto. Quando Laura consegue seduzir homens incautos com a promessa de sexo, eles são sugados por uma escuridão aos poucos, num tipo de lago denso, que engole as vítimas. A montagem do efeito é belíssimo e tão natural que dá vontade de ver mais de uma vez, apesar de ser desesperador e claustrofóbico. E aquele mundo sem luz é o interior daquele ser de onde não se escapa, mas onde só se entra depois da entrega completa da vítima, representada pela nudez dela. Ou, se preferirem, outro paralelo: moscas atraídas no mel. A textura daquela coisa – por falta de uma palavra melhor – lembra o alimento.

É terrível também descobrir o destino dos sequestrados. Uma série de imagens chocantes e um tanto confusas mostram o que somos para eles. Não apenas seres a serem estudados, mas um destino bem pior. A cena em que aparece uma esteira, e o desejo que Laura sente ao tocar em um pouco de sangue humano são sinais de que o que eles querem é a nossa carne para consumo. Outro paralelo, desta vez visto na dimensão escura: assim como nós fazemos com vários animais, nos interessamos pela carne, enquanto descartamos a pele. Não deixa de ser engraçado que em certo momento Laura começa a observar os terráqueos mais gordos, ainda que não os capture por não querer criar alarde, já que todas as vítimas levam uma vida solitária.

O nosso estilo de vida acaba por afetar Laura, que tem pena de um dos seus sequestrados, em especial por um homem deformado por causa da neurofibromatose. Ela é infectada e tenta nos entender como seres sapientes que somos. A construção dessa situação parte de uma personagem que praticamente não pisca, que consegue ir de um humor automaticamente para um rosto sem expressão para um alguém que tenta experimentar nossa comida e nossas sensações. Quando ela conhece o homem cortês – e nenhum personagem ganha nome, para mostrar o distanciamento deles de nós – que a protege do frio e da fome, Laura nutre sentimentos por ele. Num momento íntimo, a trilha sonora volta. Suave, mas ainda estranha e que reforça a frustração dela por ser incompleta para ter relações sexuais. E há finalmente a aceitação humana na cabana: ela nunca pareceu cansada antes no filme. E então somos nós que temos sentimentos ambíguos. No fim, há um pouco de pena.

Sob a Pele - poster brasileiro

Sob a Pele vai além da ficção científica pura e debate ideias. Os paralelos do filme não estão todos listados aqui, mas servem de início. Por ser um filme mais difícil e menos explicado, pode ser considerado sem propósito. Mas vejam por outro lado: esse é uma produção para levantar discussões. Por exemplo, existe a intenção do diretor em criticar nossa condição de estarmos no topo da cadeia alimentar? Ou por que Laura não consegue fazer sexo com o homem? Eu acredito que é por ela não ter um canal vaginal (ou seja, ela na verdade é ele). Vejam como uma história relativamente simples pode se expandir. Por isso, não dê as costas ao filme e a discussão que ele apresenta. Pode demorar até vermos algo assim de novo.

Veja o trailer de Sob a Pele:


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About TIAGO

TIAGO LIRA | Criador do site, UX Designer por profissão, cinéfilo por paixão. Seus filmes preferidos são "2001: Uma Odisseia no Espaço", "Era uma Vez no Oeste", "Blade Runner", "O Império Contra-Ataca" e "Solaris".