Rua Cloverfield, 10 | Crítica | 10 Cloverfield Lane (2016) EUA

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Rua Cloverfield, 10 fala dos monstros que existem dentro de nós e se eles seriam piores que os que podem existir lá fora.

Rua Cloverfield, 10 (2016)

Com John Goodman, Mary Elizabeth Winstead e John Gallagher, Jr. Roteirizado por Josh Campbell, Matt Stuecken, Damien Chazelle. Dirigido por Dan Trachtenberg.

9/10 - "tem um Tigre no cinema"Há monstros lá fora, mas também existem dentro da Rua Cloverfield, 10. Mais que entregar uma continuação, o novato diretor Dan Trachtenberg – e tendo o peso de J. J. Abrams, Matt Reeves, Bryan Burk e Drew Goddard – nos entrega um universo. Para quem é fã do original de 2008, fica a mesma sensação de terror, de não saber exatamente o que está acontecendo por boa parte da história. Para quem não deu a chance ao mockumentary, é uma agradável surpresa descobrir que a história foi pensada também para eles. Extremamente tenso e com um elenco que leva a produção nas costas, o filme abre muitas possibilidades para o universo Cloverfield. Que apenas que não levem mais oito anos para isso.

A primeira pergunta que paira no ar é se esse filme é ou não uma continuação de Cloverfield (2008, dir Matt Reeves). A resposta que ser olhada como a própria pergunta. Para quem acompanhou os virais do filme de 2008 vai achar elementos que remetem ao universo que Abrams ajudou a criar – incluindo inclusive as séries Lost e Fringe, por exemplo – mais como uma brincadeira que, no fim das contas, não responde a pergunta. Complicado? Aceite que isso não é importante, pois o filme foi produzido tanto para quem conhece quanto para quem não. Mas é divertido imaginar as possibilidades.

Passada essa brincadeira, é importante desvendarmos um dos principais pontos da história, e, principalmente, a escolha de uma protagonista feminina. Indo além da questão da representatividade, o roteiro escrito por muitas mãos – três pessoas entre roteiristas e argumentistas – lida com a violência contra a mulher. Quando Michelle (Winstead) deixa Nova Orleans depois de brigar com o namorado (numa participação especial de Bradley Cooper) é importante perceber que ela passa por medos inerentes às mulheres. Quando Michele está abastecendo o carro à noite num posto distante de casa, ela fica preocupada por estar sendo observada por outro cliente do posto, e isso remete a grande preocupação feminina de ser violentada, e não é exagero nenhum apontar isso. Pois se você perguntar a alguma amiga ou familiar sua qual é o maior medo dela ao sair à noite, você receberá uma resposta bem dura.

Então, Michele sintetiza muito desses medos: perseguição, estar em cativeiro que vem na figura aparentemente dócil de Howard (Goodman). Apesar de toda a conversa sobre ter salvado a jovem, e depois admitir a culpa para se aproximar dela, de seja lá o que for que está do lado de fora do bunker, o fazendeiro tem acessos de raiva – como aqueles que você pode ter ao jogar as coisas no chão ou bater a porta com força, mostrando em quem você queria dispensar essa força -, principalmente quando Emmett (Gallagher Jr) encosta em Michelle. Mais interessante são as pequenas pistas que o roteiro dá aos espectadores, mais sutis, como as falas de Howard, comparando os tempos de agora com os bíblicos, sendo aquele lugar uma arca e ele um Noé do porvir.

É gratificante perceber que a produção tem poucos problemas. No máximo dois, para ser sincero. Nos minutos que mostram Michele impossibilitada de sair do quarto preparado por Howard, a música de Bear McCreary beira o insuportável, mas isso é culpa da edição de som e não do compositor – ainda que a música em si não seja exatamente marcante. Nessa sequência, a música sobe para níveis incômodos, fazendo que os mais sensíveis tapem os ouvidos. A música é importante, mas deve dar suporte ao roteiro, e não ser constantemente lembrada que está lá. Ainda assim, o editor se salva ao brincar com a expectativa que a música tem, mas que não é concretizada pela protagonista que sai de seu estado de tensão.

Fora esse pequeno deslize, tecnicamente é uma obra bem estruturada, onde os elementos estão lá para servir à narrativa. Decisões como usar a imagem com um plano aberto no começo do filme para depois uma sequência de planos fechados – e que vão se fechando ainda mais, apesar do espaço já limitado – expandem a sensação de claustrofobia. O mise-en-scene do quarto de Michelle é cheio de significado quando percebemos a divisão entre cores e luz, representado pela lâmpada ausente do lado em que ela dorme, objeto que só aparece quando ela entende um pouco melhor a sua situação. E como contar a passagem de tempo num lugar sem janelas? Os responsáveis optam por fazer isso com elementos que estão na nossa frente, como o cabelo de Michelle que cresce, ou a cicatriz de Howard que vai curando aos poucos.

E há outra vantagem no elenco enxuto. Apesar da inexperiência do diretor – ainda que possamos argumentar que isso vem pelo apoio dos produtores – a narrativa não se estende mais do que o necessário, e os elementos em tela funcionam para conhecermos as personalidades deles. Vejam como um simples diálogo entre Michelle e Emmet, separados por uma parede, mostra o ponto de vista de cada um, como eles se veem tantos metros abaixo do solo. E esses momentos de maior introspecção servem para aumentar a sensação de que algo está terrivelmente errado, num lugar onde uma brincadeira entre os três é carregada de altas doses de tensão.

Entre pedidos de socorro com marcas de sangue e um desespero latente, a Rua Cloverfield, 10 pode não ser o que os fãs do primeiro filme esperavam. Aliás, há um sentimento conflitante no título – não duvido que alguém se sinta enganado por causa disso. Porém, como diz a sabedoria popular, fomos surpreendidos novamente. A experiência, inclusive, remete o filme em 2008 na sua conclusão, onde a história peca por mostrar demais. Ainda assim, é uma virada interessante e inesperada. Há brincadeiras com o visual quase super-heroico de um personagem que é, no mínimo, engraçado. Não faltou coragem, tampouco técnica ou uma boa história para finalizar com a nota máxima. Esses deslizes, porém, estão longe de prejudicar a obra que abre o leque para um universo fantástico, em moldes que nos remetem à Poe e Lovecraft.

Sinopse oficial
O filme conta a história de Michelle (Mary Elizabeth Winstead ), uma jovem que, após um grave acidente de carro, acorda no porão de um desconhecido (John Goodman). O homem diz ter salvado sua vida de um ataque químico que deixou o mundo inabitável, e, por isso, a manterá presa no local. Sem saber se pode confiar na história, ela tenta descobrir como se libertar”.

Rua Cloverfield, 10 | Pôster brasileiro

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About TIAGO

TIAGO LIRA | Criador do site, UX Designer por profissão, cinéfilo por paixão. Seus filmes preferidos são "2001: Uma Odisseia no Espaço", "Era uma Vez no Oeste", "Blade Runner", "O Império Contra-Ataca" e "Solaris".