O Quarto de Jack | Crítica | Room, 2015, EUA

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Tenso, pesado e triste são poucas, mas fortes palavras para descrever O Quarto de Jack, um drama tão marcante e tão cheio de momentos belos desse concorrente ao Oscar de Melhor Filme.

O Quarto de Jack (2015)

Com Brie Larson, Jacob Tremblay, Joan Allen, Sean Bridgers, William H. Macy. Roteirizado por Emma Donoghue. Dirigido por Lenny Abrahamson.

10/10 - "tem um Tigre no cinema"Imagine o seu universo hoje. Onde você pode ir a partir da sua casa: fazer viagens, visitar amigos, ir ao cinema, visitar seus parentes, namorar, ir ao cinema. Imagine agora alguém cujo universo se resume a 10m². Esse exercício é posto para nós em O Quarto de Jack, um drama que tenta traduzir em imagem e palavras as descobertas de uma criança num assustador, novo, barulhento e infinito mundo. Emma Donoghue e Lenny Abrahamson descrevem um cenário assustador que te fará sentar à beira da cadeira, ao mesmo tempo que é cheio de lirismos e belezas.

É um exercício interessante não saber nada sobre certas histórias. Assim como Jack (Tremblay) saber nada do que está do outro lado da parede é uma sensação reveladora. O universo do jovem se constitui da mãe (Larson) e dos objetos que o circundam. Objetos que ele faz questão de dar bom dia. O mais impressionante é que o mundo de Jack é tão simples e compacto que para ele o que ele vê com seus olhos é o que existe. E nisso o roteiro é espetacular em não fazer que o jovem diga os artigos. Então, ele vive no “Quarto”, e não num quarto; ele dá oi para “banheira”, “pia”, “fogão” – ao invés de “a banheira”, “a pia” ou “o fogão”. Soa estranho em português a falta dos artigos – e que quem optar pela versão dublada corre o sério risco de perder esse detalhe – mas é a maneira que a autora encontrou para refletir a visão do mundo de Jack para a audiência.

E Abrahamson consegue até mesmo usar a narração off – uma das piores muletas na narrativa – de maneira impressionant. É uma narração funcional para entrarmos na mente da criança. Não é um filme de ficção científica para dar informações visuais da imaginação de Jack, então o diretor decidiu deixar que o garoto contasse para nós como é o seu mundo. Muito vem da situação em que ele e mãe vivem, mas é fantástico como o texto de Donoghue conseguiu traduzir em palavras a percepção que Jack tem das coisas.

E mesmo depois que as coisas parecem ser resolvidas, a sensação de desespero ainda não passa. Não é um exagero falar, mas toda e qualquer nova situação que Jack enfrente dá um frio na espinha. Notem, por exemplo, que a fotografia de Danny Cohen nunca dá trégua. É um elemento mais escondido e subjetivo, mas o tom invernal que existe tanto dentro do Quarto quanto fora dele tem pouca variação. Não é como se o desespero de Joy – que descobrimos ser o nome da mãe de Jack – passasse depois daqueles anos de provação.

Há pelo menos três momentos marcantes que afligem o espectador exatamente porque o diretor nos maltratou tanto por metade do filme. Por isso há a nítida impressão que algo está prestes a dar errado. E são cenas simples, uma delas com Jack ajudando a avó Nancy (Allen) a descarregar as compras do carro. O diretor isola os dois no canto direito da tela, ocupando não mais que um terço dela, enquanto mostra uma rua vazia no resto. Ainda que seja de dia, ainda que não exista nada vindo na nossa direção, há um medo já marcado em quem assiste que o que poderia ser visto como algo irrelevante toma ares desesperadores.

Isso tudo para representar como a realidade pode ser assustadora. Jack antes tinha menores receios – nas devidas proporções –, mas agora tudo o incomoda. A luz, como citada antes, apesar de mais clara do lado de fora não é cálida, e não traz conforto nem para Jack nem para sua mãe. E nem para o espectador, que vai se sentir cada vez mais preocupado com coisas simples como conhecer um cachorro ou brincar de bola com um amigo. E nisso que o filme se torna espetacular, dessa vez traduzindo em imagens ao invés da voz de Jack para nós o quão terrível foram os primeiros cinco anos da vida dele.

Outro motivo para dar atenção ao filme é por causa do papel que a autora dá aos homens. Donoghue dá uma cutucada na cultura patriarcal em vários personagens, ainda que esteja no subjetivo, e sempre em oposição a uma mulher. O parceiro da oficial Parker (Bruguel) é, por falta de melhor definição, um panaca. Enquanto ela ouve Jack, seu parceiro parece mais preocupado em terminar o dia. O pai de Joy, Robert (Macy) mostra um distanciamento do neto vindo de uma repulsa por saber como Jack foi gerado, em contrapartida que sua avó mostra um amor incondicional pela criança. E, claro, o Velho Nick (Bridgers), simplesmente o antagonista da história.

São três personagens que representam diferentes faces do machismo: o primeiro não dá atenção à uma mulher por qualquer motivo que lhe caiba; outro por achar que elas teriam algum tipo de cicatriz insuportável depois de uma violência dessas; e o terceiro, um pouco mais óbvio, é a própria cultura do estupro. Porém, a autora não chega a ser maniqueísta em relação aos homens ao introduzir a figura do carinhoso Leo (McCamus), o novo marido de Nancy – apesar de que sofremos muito também por causa dos momentos de angústia que passamos e demora para que ele ganhe nossa confiança, assim como Jack.

Poucos diretores conseguem o efeito de tirar o espectador do conforto da poltrona. O Quarto de Jack é um ótimo exemplo. Bem construído e estruturado, o diretor só desliza rapidamente no final ao subir no volume máximo uma trilha sonora melodramática, onde antes o silêncio tinha servido tão bem – mas nada que estrague a experiência. O diretor é mestre no contar e não dizer quando precisa com elementos que ficam na nossa cabeça. A passagem de tempo é uma delas, como notamos pelo comprimento do cabelo de Jack, ou a colagem de fotos do quarto de Joy. É um filme belíssimo, ainda que seja um drama pesado por traduzir em imagens marcas que não são apagadas facilmente.

Sinopse oficial

“O Quarto de Jack conta a história de Jack e sua mãe (Ma), que vivem confinados em um quarto de 10m² sem janelas. Por viver nesse pequeno espaço, o menino cresce achando que o mundo se resume ao quarto, mas quando completa cinco anos, sua curiosidade sobre a condição em que vive começa a crescer. A partir daí, ele e sua mãe começam a traçar um plano de fuga, o que os leva a ficar cara a cara com algo assustador: o mundo real. ”

O Quarto de Jack | Pôster nacional

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About TIAGO

TIAGO LIRA | Criador do site, UX Designer por profissão, cinéfilo por paixão. Seus filmes preferidos são "2001: Uma Odisseia no Espaço", "Era uma Vez no Oeste", "Blade Runner", "O Império Contra-Ataca" e "Solaris".