Na Estrada (On the Road, 2012, Brasil-Reino Unido-EUA) [Crítica]

0 Flares Twitter 0 Facebook 0 Filament.io 0 Flares ×

Com Sam Riley, Garrett Hedlund, Kristen Stewart, Kirsten Dunst, Viggo Mortensen, Amy Adams, Tom Sturridge, Steve Buscemi, Elisabeth Moss, Alice Braga, Danny Morgan e Terrence Howard. Roteirizado por Jose Rivera (Diários de Motocicleta), baseado no livro de Jack Kerouac. Dirigido por Walter Salles (Central do Brasil).

É bem seguro dizer que vários de nós tínhamos, ou ainda temos, a vontade de botar o pé na estrada. Conhecer lugares e gente nova e mais interessante. Baseado no livro de Jack Kerouac (que não li), “Na Estrada” é uma boa representação na tela dessa vontade enraizada em tanta gente. É uma história triste, com personagens que criamos carisma, apesar de serem muito melancólicos, assim como todo o clima do filme.  Na cultura beat, é um livro obrigatório. Já no filme existe uma falta de profundidade em  alguns dos personagens apresentados. Mesmo com o tempo de projeção mais longo que usual, contando com mais de 2 horas, o diretor demonstra que  um pouco mais de cuidado  era necessário para acreditarmos em como as relações foram criadas.

“Não terei um lar até o fim”. A música cantada logo no começo da produção e o caminho que passa por vários tipos de terreno mostram como é longa viagem e a inquietação de Sal Paradise (Riley), que não consegue ficar no mesmo lugar por muito tempo. Seu espírito sonhador e de escritor entendem que as experiências só podem ser adquiridas com a quebra de certos paradigmas. Diferente de vários outros filmes, fica estabelecido desde começo que as narrações off são partes importantes do livro, e não me irritaram. Pelo menos nem tanto. Sal divide essa inquietação com o amigo e poeta Carlo Marx (Sturridge). Apesar de um ser um filme um tanto biográfico de parte da vida de Kerouac, Salles foge da tentação de contar a história de jeito 100% linear. Para isso ele decide começar com Sal na estrada, para depois mostrar suas motivações. Ele é uma pessoa muito melancólica, assim como o filme todo. O diretor usa muito dos tons azuis para mostrar essa percepção do mundo de Sal: passando pelo raccord da cena noturna para a melancólica da chuva, o quarto de Sal em Paradise, e a cena do enterro de seu pai. Aliás, é interessante notar que uma cidade chamada “Paraíso” ser tão monocromática, até mesmo os carros. E conhecemos um personagem que ajuda no impulso de Sal de colocar o pé na estrada. Dean Moriarty (Hedlund) já recebe Sal e Carlo estando nu, a autoafirmação total de que ele pouco se importa para que os outros pensam. A admiração de Sal pelo novo amigo é marcada por uma frase que dizia mais ou menos: “Ele (Dean) tinha passado um terço de sua vida nas mesas de sinuca, um terço na cadeia e um terço na biblioteca pública”. Além disso, um ladrão de carros impulsivo. Que mais para agitar a vida de escritor?  Do outro lado, Maryou (Stewart), pelo menos naquele momento, apenas fica por lá. Parece uma sombra de Dean. Mas é justo apontar que nesse filme a normalmente insossa Kristen Stewart se sai bem no papel (talvez tudo que ela precisasse é ficar do lado de mais gente seminua).

A atmosfera fica mais melancólica enquanto Sal não está na estrada (sentimento que é traduzido na frase do capataz do campo de algodão: “vai criar raízes?”) Basicamente, sempre existe um elemento azul quando Sal sente que “deve” partir. Então, quando ele está no caminho para Denver, por exemplo, a fotografia ganha mais cor; ele está mais feliz. O leque dos personagens aumenta em todas as direções. Nesse meio tempo, Dean e Carlo saíram de Paradise para morar em Denver. Quando Sal se reencontra com os amigos, conhecemos a esposa de Dean, Camile (Dunst) que é mais calma, não acompanha o ritmo do marido. Isso é bem representado na dança entre ela e Sal. Entre indas e vindas, Sal se reencontra no período de festas de fim-de-ano mais uma vez com Dean, e está de volta com Marylou. Ou seja, o próprio Dean é um personagem cheio de indas e vindas internas. Nesse período de festa é onde a personalidade dos nossos herois são colocadas mais explicitamente. Notem que o cenário da casa da irmã de Sal parece algo saído de um cartão postal de felicitações, mas a festa dele, Dean, Marylou, Carlo e outros personagens é de uma agitação quase orgástica, bem representada pela dança de Marylou e Dean; em oposição com a cena com Camile, que é deixada de lado para dançar com Sal, mais cedo no filme. Também conhecemos Bull (Mortensen) que é um personagem um tanto desequilibrado, e que tem uma mulher mais desequilibrada ainda. Mas ainda assim, é o que parece ter mais juízo. É uma pena que o filme demonstre a relação que já existia entre Bull e Sal, mas não consegue mostrar como foi desenvolvida. O grande problema do filme está em apresentar tantos personagens que não conseguimos acompanhá-los, ao ponto de tornar alguns até esquecíveis na trama, principalmente a mãe de Sal e o personagem que abandona a mulher para poder viajar. É interessante também notar que os espaços onde o trio se sente mais à vontade são pequenos: dentro do carro, ou num quarto de hotel. O movimento beat, literário, antimaterialista está bem impresso na produção. Salles mostra que a  vontade de escrever de Sal é tamanha que ele continua escrevendo mesmo em pedaços de papel que encontrar na rua.

“E o amanhã, onde fica?”, pergunta um personagem a determinada altura do filme. É até difícil acreditar que nessa cultura regada a anfetaminas, velocidade, drogas e álcool ninguém tenha morrido. E a história ainda acha lugar para um plot twist com um personagem que tinha chegado no fundo do poço, voltando ao trabalho que tinha antes, mas achando espaço para uma nova aventura. E ainda temos mais decepções, tristezas e momentos que cortam o coração. Um pequeno spoiler aqui: só não consigo entender como Sal, que se importa tanto com Dean ao ponto de citá-lo várias vezes nas linhas finais de seu livro, consegue abandoná-lo. Ele pode ter visto alguém que foi longe demais, mas essa seria a reação de alguém tão apaixonado? E destaco a escolha de Garrett Hedlund como Dean Moriarty, que é um ator muito bonito. Não sei se Neal Cassady, a pessoa real que inspirou o original, tinha o porte do ator estadunidense. Mas vejo que a decisão de Salles foi acertada para que realmente tivéssemos pena desse personagem.

“Na Estrada” tem várias qualidades. A montagem, a fotografia e a construção dos personagens, juntamente de seus excelentes diálogos já são um grande motivo para assisti-lo. Além disso, a presença dos atores Hedlund e Riley são uma grata surpresa. Mas o principal é a competência de Salles ao passar para a tela com êxito a  vontade de um escritor, sua paixão e a interesse de conhecer esse universo para quem ainda não o conhece.

Volte para a HOME

Share this Post

About TIAGO

TIAGO LIRA | Criador do site, UX Designer por profissão, cinéfilo por paixão. Seus filmes preferidos são "2001: Uma Odisseia no Espaço", "Era uma Vez no Oeste", "Blade Runner", "O Império Contra-Ataca" e "Solaris".