E aí, comeu? | Crítica | 2012, Brasil

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E aí, comeu? parece digno de desprezo a começar pelo título – mas não é só por isso que o filme tem grandes problemas.

Com Bruno Mazzeo, Marcos Palmeira, Emilio Orciollo Netto, Dira Paes, Tainá Müller, Juliana Schalch, Laura Neiva, Seu Jorge e José de Abreu. Roteirizado por Marcelo Rubens Paiva (autor da peça original) e Lusa Silvestre (Estômago). Dirigido por Felipe Joffily (Muita Calma Nessa Hora).

Convenhamos, esse não é o melhor dos títulos. “E aí, comeu” é baseado na peça de mesmo nome, e tenta mostrar ao público em geral como são as conversas de botequim entre homens, expondo o que falam, pensam, sonham e também seus medos. É uma história sobre as possibilidades do amor e onde ele pode acontecer:  lugares novos, improváveis, e também a sua redescoberta. Funciona razoavelmente como comédia, com piadas que não são ricas e a grande maioria delas estava presente no trailer, o que enfraquece a experiência de quem vê. A produção da Globo Filmes conta com vários vícios noveleiros, começando por escalar atores e atrizes típicos do núcleo de novelas, passando por questões técnicas, a falta de profundidade do trio principal, contando uma história com vários momentos perdidos, e participações especiais que são mais perdidas ainda.

Enquanto esperamos os muitos patrocínios, o diretor começa a apresentar o ambiente com sons diegéticos típicos de barzinhos e botecos. E entramos no universo do filme de um banheiro, com Horácio (Palmeira) numa brincadeira de falar com a audiência (não chega a quebrar a quarta parede) e com Fernando (Mazzeo). É uma cena corajosa, considerando que é muito difícil conversar enquanto se está no mictório (experiência própria). A cena seguinte apresenta  personagens que frequentam o “Bar Harmonia”, completando o trio principal com Afonso (Orciollo Netto) e a presença de um confessor (não propriamente um amig), ogarçomSeu Jorge (Jorge), que é “parecido com o Seu Jorge”. Essa cena tem um longo slow-motion que  aqui se encaixa bem para mostrar todas as nuances do ambiente do barzinho preferido dos amigos, mas o diretor vai usar da técnica várias vezes, prejudicando o ritmo do filme. Logo percebe-se que esses personagens estão perdidos (Afonso é indeciso, não consegue se fixar num final para o seu livro, e nem numa pessoa. Fernando não sabe como viver sem a ex-mulher. Horácio desconfia de traição), e que a amizade que os une é um válvula de escape nas suas preocupações. Além de frequentarem sempre o mesmo bar, essa união é representada pelo figurino (os três usam na maior parte das vezes tons tristes, majoritariamente preto e o azul), pelo uso de palavrões (que são muitos, mas bem colocados, não havendo exagero por causa do ambiente) ao ponto de nem ligarem para o que outras mulheres acham do falatório, e pela franqueza dos problemas discutidos na mesa, passando por dificuldades, “putarias” e fantasias. Mas os problemas principais dos homens são as mulheres, e no filme não é diferente. Leila (Paes) é a esposa de Honório, e os dois estão se distanciando na relação, o que faz o marido desconfiar que está sendo traído. Vitória (Müller) está para se separar de Fernando que, mesmo desprezado, não consegue seguir em frente com a vida. E Alana (Schalch) é linda, inteligente e gosta muito de Horácio, mas é uma prostituta de luxo.

Pra reforçar a melancolia que os três passam, Joffily e o diretor de fotografia Marcelo Brasil (“Muita Calma Nessa Hora”, de 2010)  finalmente mudam a paleta de cores, e a fotografia fica mais escura e granulada, principalmente na casa de Fernando, mergulhado mais no azul, e que poderia ser melhor aproveitada (a iluminação clara e limpa que citei no começo é mais constante). Achei interessante que além da cama de Fernando nunca estar desarrumada por se recusar a deitar ali depois da separação é o detalhe de dois bonecos articulados (muito usados por desenhistas para questões de proporção, anatomia e luz e sombras) que estão abraçados. Vamos ver vários outros símbolos durante o filme que representam o que os personagens estão passando: Horácio tem um quadro no apartamento representando uma duna, e que tem traços femininos; as vezes em que Fernando se encontra com a vizinha Gabi (Neiva) são acompanhadas de objetos fálicos (baguetes, rolos de papel, ou uma conversa sobre pilastras); enquanto Horácio não consegue nem pensar em “tesão” por causa da sua desconfiança e da presença constante de suas três filhas pequenas, parecendo que está sempre apertado na tela (o apartamento pequeno, com cômodos pequenos são sufocantes). Determinado momento, esse trio resolve ir até um  prostíbulo para esquecer os problemas, mas atmosfera que os acompanha é permeado pelo frio e melancólico azul, menos na parte entre Afonso e Alana, que estão banhados por um vermelho mais apaixonado. Existe uma boa vontade do diretor ao querer fazer com que cores representem o espírito dos personagens, mas Joffily não consegue manter essa postura por muito tempo, recorrendo mais de uma vez às iluminações comuns de novelas.

Durante o filme é notável a falta de ritmo, que me fez sentir que o filme não terminaria logo. A impressão é que o diretor se perde tanto quantos seus personagens. Mas existem detalhes interessantes, como o ar de inocência do quarto de Gabi, e a preocupação extrema de Fernando em ser o primeiro homem dela, além do fato dela ser uma menor de 17 anos (ele tenta evitar a tentação, situação que se desenvolvida traria mais profundidade ao filme). Outro grande problema é a aparição de personagens secundários que estão deslocados (diferente de estarem perdidos) e só são representados por atores mais conhecidos para servir de chamariz à produção. Um deles é Isabela (Juliana Alves Barbosa), uma “ex-ficante” de Alfonso que, por algum motivo, levanta da mesa por duas vezes seguidas. Minto. O motivo é para mostrar que a atriz tem um belo quadril. E o outro é Wôlney (Murilo Benício), o atual namorado da ex de Fernando. Ele aparece por cerca de dois minutos, conversa com Alfonso, por ser um antigo colega, e lhe dá um conselho. Ponto. Um personagem desinteressante que podia ser cortado ou facilmente representado por alguém menos conhecido.

O filme tem essa nota mediana por alternar bons com maus momentos. Existem boas piadas, mas é uma pena que a maioria delas esteja no trailer. No entanto, o monólogo de Fernando sobre traição, enquanto Horácio fico cada vez mais tenso é um dos melhores momentos da projeção, e mostra um fantástico trabalho corporal de Marcos Palmeira. Há o excesso de slow-motions, mas eles também são bem usados em dois outros momentos do filme, fora a introdução, num confronto prestes a acontecer, e numa cena de amor, não permitindo que seja apenas sexo, tornando-a mais suave e romântica, quase com elemento divino (com câmera filmando de cima para baixo, e o Cristo Redentor ao fundo). Existem erros de edição (quando Vitória deixa o apartamento de Fernando, ela mexe a boca, e não sai som nenhum), montagem (na péssima situação de Honório que é tão ruim que ao ponto da moto falhar, mas chega ao mesmo tempo que a esposa que estava de carro à um apartamento suspeito), só para exemplificar; além da falta de carisma da maioria dos atores. E Plínio Profeta, que estava tão bem em “O Palhaço” (2011) aqui está apagado e sem personalidade. “E aí, comeu?” é um filme que tem o amor como fim, mas está longe de outros representantes do estilo comédia romântica.

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About TIAGO

TIAGO LIRA | Criador do site, UX Designer por profissão, cinéfilo por paixão. Seus filmes preferidos são "2001: Uma Odisseia no Espaço", "Era uma Vez no Oeste", "Blade Runner", "O Império Contra-Ataca" e "Solaris".